Vitor Gaspar, mestre do radicalismo da Terapia de Choque da União Europeia (1)

«Portugal e Irlanda criticaram na reunião do eurogrupo o facto de a Grécia “quebrar sistematicamente” os compromissos.

Portugal e a Irlanda criticaram a Grécia na última reunião do eurogrupo, em Bruxelas, na semana passada, considerando “inaceitável” que Atenas não cumpra o memorando acordado com a ‘troika’, noticiou hoje o Der Spiegel.

Os ministros das Finanças Vítor Gaspar e Michael Noonan disseram na reunião que “é inaceitável” que Lisboa e Dublin façam grandes esforços para cumprir as indicações da União Europeia para sanearem os respetivos orçamentos, enquanto a Grécia “quebra sistematicamente” as promessas de reformas, revelou o semanário alemão.

Outros ministros das finanças disseram na mesma reunião, dirigindo-se ao seu homólogo Filippos Sachinidis, que “foram os gregos que, com o seu desmazelo, atiçaram repetidamente o fogo em toda a zona euro”, acrescentou a mesma publicação.

O chefe do eurogrupo, Jean-Claude Juncker, terá afirmado, por seu turno, que, se houvesse agora uma votação a nível europeu sobre a permanência da Grécia no euro, haveria uma grande maioria a votar contra.

Juncker disse ainda, segundo o Der Spiegel, que a repetição das legislativas na Grécia, a 17 de junho, “é a derradeira oportunidade” para Atenas.

Se não resultar das referidas eleições a formação de um governo que cumpra as condições da União Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI, “será o fim”, terá advertido o primeiro-ministro luxemburguês.

Na mesma reunião do eurogrupo, o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schaeuble, sugeriu um referendo sobre a permanência da Grécia no euro, a realizar paralelamente às legislativas, sustenta ainda o der Spiegel.

O plano do referendo terá sido também proposto pela chanceler Angela Merkel, em conversa telefónica, na sexta-feira, com o presidente da Grécia, Karolos Papoulias, segundo um porta-voz do executivo em Atenas, mas Berlim desmentiu a notícia.»

Diário Económico (21/05/2012) (1)

«(…) O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, disse recentemente que o modelo social europeu tinha morrido.
O que se pode esperar de um homem da Goldman Sachs? A Goldman Sachs é uma espécie de companhia majestática das Índias. A Europa tem a democracia suspensa. Nós estamos num sistema colonial em que os grandes líderes não foram eleitos: não o foi Lucas Papademos, Mario Monti, Draghi. Esses homens pertenceram todos à mesma empresa. Leia uma carta pungente de um antigo executivo da Goldman Sachs, ao “New York Times”, que sai em ruptura e denuncia o monstro em que se tornou esta empresa. Ela já não cuida dos seus clientes, cuida de acumular capital e poder. É uma empresa colonial que tem poderes de soberania sobre os povos. O poder destas pessoas é assente no modelo de acumulação do capital financeiro. Elas vêem o Estado social, grande mecanismo de distribuição dos rendimentos, como um inimigo. Os impostos, para eles, são anátemas.

(…) Não acha que o problema foi pensar que a crise é igual para todos? A sua posição sobre a crise ou a do banqueiro Ricardo Salgado, que assinou o documento, nunca serão iguais. Mesmo nesta crise, há quem ganhe muito.
O que houve aí foi a expressão de uma tensão que existe no terreno. O documento não expressava um posicionamento anticapitalista, com que eu me identifico. Naquela altura, do que se tratava era da luta do capital nacional contra o capital alemão – de alguma maneira, de uma forma caricatural, aqui representado pelo Álvaro Santos Pereira e o Vítor Gaspar. O nosso ministro das Finanças, Vítor Gaspar, tem passaporte português mas é alemão. Foi criado pelos alemães, foi educado por eles no Banco Central Europeu. Este homem vê o mundo pelos olhos da Alemanha. A capacidade de entidades como a Goldman Sachs vê-se aqui: os seus quadros têm passaportes diferentes, mas
pensam exactamente da mesma maneira. Para homens como o António Borges, que é outro caso notável deste tipo de orientação política, não existe uma noção de integridade nacional ou coesão nacional. Quando esteve à frente dos fundos de investimento foi totalmente contra qualquer regulação do capital financeiro. Não admira que agora não possa ter outro tipo de preocupações que não as do capital financeiro no processo das privatizações. Estes quadros formados na Goldman Sachs é que a fazem ser um potentado. Não é por acaso que ela é conhecida como a lula-vampiro. Oferece dirigentes aos governos em crise, como Monti e Papademos, e quando eles saírem do poder oferece-lhes lugares. Estes homens estão entre o poder económico e o poder político.

(…) Mas para haver uma desobediência em Portugal é preciso um sujeito político que a imponha. Não é certamente o actual governo…
Não é o governo nem é, infelizmente, o Partido Socialista que temos neste momento. O Partido Socialista precisa de se desvincular da assinatura do Memorando. Como é que o pode fazer? De uma maneira muito simples: quem lê o que escreve o “Financial Times” ou os blogues dos quadros dos fundos de investimento já sabe que é dito por eles e, como é uma previsão deles, eles fazem-na acontecer. Todos eles defendem que é necessário um segundo resgate. É preciso mais tempo. O Partido Socialista tem a oportunidade de dizer “nós estávamos comprometidos com o primeiro resgate, mas com mais nenhum”. Assim, desvinculava-se destas políticas. E de dizer aos portugueses que tem de se encontrar uma outra solução. Isto vai exigir que haja algumas mudanças no resto da Europa. Aqueles que fazem este tipo de políticas estão em crescentes dificuldades – veja-se o caso do Rajoy. E não é por demérito dele, porque aplica a mesma cartilha. Nós não precisamos de políticos para a receita que está a ser seguida, porque os homens da Goldman Sachs fazem o trabalho por eles. Dão-lhes os dados e ditam-lhes as soluções. O problema é que a Espanha é muito importante para os credores. E eles estão aí para receber o seu capital. Daí a pressão sobre a Espanha. Em França, que é o fiel da balança da Europa, há uma opção mais à esquerda, nem sequer muito radical, de Hollande, e há o crescimento da extrema-direita.

Estamos a viver tempos semelhantes aos anos 30 que podem levar à tomada do poder por parte da extrema-direita em vários países?

Acho que estamos a assistir ao que eu chamo um totalitarismo gradual. A democracia continua. Não há estado de excepção. O Tribunal Constitucional não intervém apesar de, no meu entender, a Constituição estar suspensa, assim como a democracia. Sem que tenha havido uma alteração das leis. Há uma certa suspensão da institucionalidade sem que tenha havido mudança do quadro legal. Temos partidos e uma democracia de baixa intensidade. É só para os partidos, porque os grandes partidos pensam todos da mesma forma. (…)»

Boaventura Sousa Santos (05/05/2012) (2)

Comentarium: É oficial: Vítor Gaspar não gosta da democracia.

(1) Com Lusa.

(2) Entrevista a Nuno Ramos de Almeida, no jornal I. A negrito as perguntas do entrevistador.

Fonte da Imagem: Kopfschrott.