Leituras: A Tirania do Mérito, de Michael J. Sandel

O Autor (1)

Michael Joseph Sandel (1953- ) é um filósofo, escritor, professor universitário e político norte-americano. É especialista em filosofia política. É de origem judaica, aos 13 anos deixou Minneapolis (Minnesota) e foi morar em Los Angeles (California) com 13 anos de idade. Foi presidente da classe “senior” da Palisades High School em 1971, graduado na Universidade de Brandel. Depois de obter o  bacharelado em Política (1975), concluiu o doutoramento no Balliol College de Oxford, (no Reino Unido). Em 1982 publicou O Liberalismo e os Limites da Justiça (editado em Portugal pela Gulbenkian), que penso ser o seu primeiro livro. Em 1985, no âmbito de uma bolsa Rhodes Scholar, estudou com o filósofo canadiano Charles Taylor. Fez parte do do Conselho Presidencial de Bioética durante a presidência de George W. Bush (2001-2009).Desde 2009 já foi argumentista de várias séries de televisão e filmes sobre temas filosóficos.

A Obra

Começo por citar parte da sinopse: «As democracias liberais estão em risco. O princípio do mérito, um dos seus pilares básicos, é o responsável por essa situação.

Vivemos numa constante competição. O mundo está dividido entre vencedores e perdedores. O statu quo é amplamente justificado pela máxima “quem muito se esforça tudo pode”. O resultado? Um mundo que reforça a desigualdade social e, ao mesmo tempo, culpabiliza as pessoas.»

Esta é uma obra de filosofia política. Essa reflexão parte de um acontecimento de 2019: estrelas de Hollywood e grandes empresários em escândalo de fraude no acesso a universidades de elite para refletir acercas dos limites da meritocracia. A primeira edição norte-americana saiu em 2020. Do ponto de vista filósofo discutem-se, sobretudo, as ideias filosóficas acerca do mérito de John Rawls e Friedrich Hayek.

Do ponto de vista político o autor procura fazer uma história da ideia de mérito. Aqui entra, mais uma vez, a questão da ética protestante. Aqui voltam a colocar-se questões sobre o Livre arbítrio. O autor cita, entre outros, o historiador T. J. Jackson Lears (2):

«Mas à medida que os teólogos liberais começaram a salientar a capacidade do ser humano para se salvar a si mesmo, o sucesso começou a significar uma convergência entre o mérito pessoal e o plano da Providência. Gradualmente e de modo inequívoco, a crença protestante na Providência (…) tornou-se uma forma de corroborar numa perspectiva espiritual o statuos quo económico (…). A Providência subescrevia, assim, implicitamente, as desigualdades de riqueza.»

É por isso que hoje, nos Estados Unidos, muitos cristãos, militantes de extrema-direita, políticos e bilionários encontram justificações para políticas desumanas, sem qualquer solidariedade ao próximo, numa interpretação que torna os mais pobres e desfavorecidos os únicos culpados da sua desgraça. Exemplo disso foi a reacção dos conservadores cristãos ao furacão Katrina, que destruiu Nova Orleães em 2005. É certo que a sociedade norte-americana se tornou mais secular (menos religiosa) mas essas ideias mantêm-se, ainda com mais paixão. Por isso a teologia da prosperidade tem uma enorme influencia em todo o pensamento norte-americano.

Do ponto de vista político, fala-se sobretudo da política interna dos Estados Unidos pós-1945. Para Michael J. Sandel existe um Providencialismo de direita e um Providencialismo de centro-esquerda, que foi usado a primeira vez por Dwight D. Eisenhower e depois foi usado por vários políticos democratas, como Barack Obama, Hillary Clinton e Bill Clinton.

Duas importantes contribuições para a  “meritocracia”:

  • Michael Young (1915-2002), sociólogo e político britânico, criou o termo “meritocracia”. Inicialmente ele usou este termo para descrever uma distopia, mas o termo ganhou um significado positivo que dura até hoje.
  • James Bryant Conant (1893-1978), químico, administrador escolar e funcionário público norte-americano, que foi reitor de Harvard, onde introduziu os testes SAT (que originalmente se chamavam  Scholastic Aptitude Test) em 1946.

O autor conclui que o que falta hoje são lugares públicos onde as pessoas se possam encontrar. E quem chega ao topo é incapaz de ver e aceitar que não construiu o seu sucesso sozinho, tornando-o insensível aos que vivem na parte de baixo da escala social. A meritocracia tem alguns méritos mas divide as sociedades e torna-as piores.

Gostei de ler e recomendo.

Leitura de: Michael J. Sandel, A tirania do mérito (Lisboa, Presença, 2023)

Nota Lateral 1: Do ponto de vista político, fala-se sobretudo da política interna dos Estados Unidos. Mas dado que a tendência é os outros países exportarem as ideias dos Estados Unidos, isso não faz grande diferença.

Nota Lateral 2: Este livro fez-me lembrar de Richard Thaler, Erich Fromm, Byung-Chul Han,  Zygmunt Bauman, entre outros. Max Weber é citado.

Nota Lateral 3: Para contextualizar a teologia do mérito e a importância da religião é importante ter em conta o Reconstrucionismo cristão nos Estados Unidos.

Uma Síntese Brilhante deste Livro: A Tirania de Ter de Ser o “Melhor” por Nelson Zagalo

(1) Fontes de informação: Wikipédia em Inglês, Wikipédia em Português, Wook, Harvard University, IMDB e BBC Radio 4.

(2) Na obra Something for Nothing: Luck in America (2003).

Última Actualização: 17/02/2024