Leituras: Por Onde Irá a História?, de Miguel Monjardino

O Autor

Miguel Monjardino é um especialista em politica e relações internacionais. Estudou Direito na Universidade de Lisboa, seguindo-se depois a formação académica em Segurança Internacional e Estudos Estratégicos nas Universidades de Reading e de Birmingham em Inglaterra. Foi investigador-visitante na Universidade de Maryland em College Park. É professor convidado de Geopolítica e Geoestratégia no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. É também colunista de política internacional no jornal Expresso na SIC Notícias. É um açoriano que vive na ilha Terceira e trabalha em Lisboa.

Por Onde Irá a História?

Este livro é baseado nas crónicas do autor no Expresso, entre 2007 e 2022. A primeira edição é de 2023. Leio regularmente o Expresso, pelo que já conhecia alguns textos.

Miguel Monjardino é totalmente pró-UE e pró-americano. Não questiona nada. Está sempre a extrapolar todos os assuntos para o que Portugal deve ou não fazer (para lidar com isso), o que o torna irritante. É um bom neo-liberal (embora que não goste que lhe chamem isso, óbvio). É discípulo de João Carlos Espada.

(Nota Lateral: Há um claro contraste entre as ideias de Miguel Monjardino e Kishore Mahbubani.)

Em relação a ser pró-americano: para Miguel Monjardino tudo o que os norte-americanos fizerem no mundo está bem; tudo o que um presidente norte-americano fizer está bem (basta ser eleito); só condenou Trump depois do ataque ao Capitólio; quanto mais bases norte-americanas no mundo, melhor; geoestrategicamente Portugal deve apoiar sempre os Estados Unidos (sempre!).

Neste livro o autor apresenta Quatro Regras para Avaliar os Factos, que diz que desenvolveu ao longo dos anos. Isso deixou-me dividida: por um lado as regras são la palice no seu melhor; por outro lado penso que Miguel Monjardino deveria merecer um prémio por as ter sistematizado. Falo a sério!

Apesar de tudo achei este livro útil e decidi tirar algumas informações para memória futura:

  • No Verão de 2016 Angela Merkel perguntou aos líderes da indústria alemã se achavam bem vender empresas na área da robótica aos chineses. Eles mostraram-se favoráveis mas ela discordou.
  • Em Julho de 2018 a empresa norte-americana de microprocessadores Qualcomm anunciou que desistia da fusão com a empresa holandesa NXP Semiconductors.
  • Em 2018 a China procurava criar uma indústria de microprocessadores mas estava difícil. Para isso tentava comprar empresas estrangeiras directa ou indirectamente. Nesse contexto,  a guerra comercial e tecnológica declarada à China era um obstáculo.
  • Singapura tem feito tudo para se manter independente, tanto da China como dos Estados Unidos. Tal só tem sido possível graças ao acesso continuado a tecnologia, armamento e militares norte-americanos (!). Em 2020 o governo de Singapura anunciou que tinha escolhido a tecnologia da Nokia e da Ericsson – empresas europeias – para a sua infraestrutura de 5G.
  • Em Dezembro 2020 a Comissão Europeia propôs a primeira versão do Digital Services Act e do Digital Markets Act.
  • Legislação importante de Joe Biden: Chips and Science Act…
  • Joe Biden continua o embargo de Trump à China: embargo científico e tecnológico também.
  • 2009: no Bangladesh falta água. As alterações climatéricas já têm consequências. (Como será em 2023?)
  • 2009: Recessão nos EUA, Europa e Japão. A economia chinesa ressente-se.
  • Em 2010 as ambições regionais chinesas causavam ansiedade ao Japão, Coreia do Sul, Singapura, Vietname, Indonésia, Austrália e Índia. Isso fazia estes países correrem a pedir protecção dos Estados Unidos de Obama. Será?!
  • O desastre de Fukushima (Japão) em 2011 levou a que China e Índia suspendessem a expansão dos seus programas nucleares. Já a UE e os EUA estavam indecisos sobre o que fazer.
  • Em 2012 os Estados Unidos tornaram-se o maior produtor mundial de gás natural. E a Agência Internacional de Energia (AIE) previa que o mesmo acontecesse em 2020 em relação ao petróleo. Isso a nível interno foi muito bom e a nível externo também (mais margem de manobra para pressionar o Irão, por exemplo).
  • Em 2018 os Estados Unidos importavam pouco petróleo. o Texas tornou-se um dos maiores estados nesse campo. Por isso os Estados Unidos não estavam minimamente interessados nas alterações climatéricas.
  • Em 2013 a esperava que Angela Merkel arranjasse uma solução definitiva para os problemas da zona Euro (!). Em vez disso as prioridades dela, depois da reeleição (Merkel III) fora a nível interno: proteger a indústria alemã e conseguir energia a preços baixos. Por isso Merkel apostou em novos acordos com Putin, esquecendo a questão ucraniana.
  • O Mar Negro é importante tanto do ponto de vista estratégico como para a agricultura. Em 2015, já havia guerra no Donbas e na Crimeia e já se percebia isso.
  • Em 2013 o director dos serviços secretos sauditas visitou Putin para conseguir um acordo. Putin negou-se. Em 2017 o rei da Arábia Saudita fez uma visita à Rússia. Na agenda tentar acordos acerca da Síria e do preço do petróleo. Na Síria era a Rússia, o Irão e o Hezbolah prevaleciam. O interesse dos sauditas era combater a influência do Irão na Síria e no Iémen.
  • Em 2019 o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, visitou o Irão. Objectivos: garantir o petróleo do Irão; encontrar solução diplomática para as tensões Estados Unidos-Irão; ganhar visibilidade antes da cimeira G20.
  • Em 2021 foi divulgado um relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climatéricas. Na altura em que foi divulgado havia seca no Irão, incêndios em Oregon (EUA), Extremo Oriente (??) e Rússia.
  • Em 2022 havia tensões entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita por causa do petróleo. Tem havido aproximação da Arábia Saudita à Rússia.
  • Durante os mandatos de Barack Obama (2009-2017) começaram serem a usados drones para matar terroristas e alegados terroristas no Afeganistão. Em 2003, quando George W. Bush invadiu o Iraque o exercito tinha apenas um drone. (Em 2023 devem ter milhares.)
  • Em 2015 os maiores importadores mundiais de armamento – China, Índia, Paquistão, Coreia do Sul e Singapura – eram asiáticos.
  • Tratados importantes: Tratado das Forças Nucleares Intermédias (1987), Tratado das Forças Convencionais na Europa (1990) e Tratado da Redução de Forças Nucleares Estratégicas (1993). De 2013 a 2015 a Rússia mostrou que cumprir estes tratados era contrário aos seus interesses.
  • Em 2016 o Tribunal Arbitral de Haia deliberou que a China não pode controlar a maior parte do mar do Sul da China já que isso vai contra a Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar. As Filipinas e outros países têm-se oposto às ambições da China nesse espaço.
  • A administração de Donald Trump esteve indecisa entre promover a desnuclearização da Coreia do Norte (boa ideia; mas como?) e lançar operações militares preventivas contra o programa nuclear norte-coreano (muito gostam os norte-americanos da guerra preventiva; como?).
  • Shinzo Abe enquanto primeiro ministro do Japão conseguiu uma reforma constitucional, particularmente na emenda do Artigo 9 da constituição pacifista do Japão, com os partidos pró-revisionistas a ganhar a maioria de dois terços necessária para a reforma, ao lado de uma maioria de dois terços na Câmara dos Representantes, o que em última análise, levou a um referendo nacional. Em Maio 2017 a reforma constitucional entrou em vigor.
  • Em 2006 as trocas comerciais entre China e Japão atingiu um valor considerável.
  • O Japão, tendo Shinzo Abe como primeiro ministro manteve uma linha dura com a Coreia do Norte e a China, embora buscasse melhores relações com seus vizinhos.
  • Em Setembro 2019 o complexo petroquímico em Abqaiq e o campo petrolífero de Khurais, na Arábia Saudita, foram atacados por drones. O ataque foi reivindicado pelos Houthis, que estão envolvidos numa guerra pelo controlo do Iémen e combatem a intervenção militar saudita desde 2015. Na ocasião os EUA acusaram o Irão de estar por detrás deste ataque. O Irão negou.
  • Armen Sarkissian, um político, físico e informático que foi que foi o 4º presidente da Arménia, entre 9 de Abril de 2018 e 1 de Fevereiro de 2022. Sarkissian propôs o conceito de “política quântica”.
  • Em 2020 houve uma guerra entre a Arménia e o Azerbaijão. O Azerbaijão contou com armamento israelita e drones turcos, o que lhe deu vantagem. Tendo o apoio da Turquia, o Azerbaijão conseguiu que a Rússia não interviesse. A Rússia acabou por liderar a Paz, o que lhe favoreceu a uma maior aproximação (e dependência) por parte do Azerbaijão. Os países da UE não participaram nem na guerra nem na paz.
  • Em Portugal estamos na idade da austeridade. (!!!)
  • Miguel Monjardino chama a atenção, e bem, para a necessidade de ter embaixadores profissionais (a esse propósito, ver Kishore Mahbubani) para representar Portugal no mundo.
  • Em 2008 Miguel Monjardino chamava atenção para a importância do serviço militar no pensamento estratégico dos países da UE.
  • Em 2012 Mitt Romney passou a ser considerado moderado no Partido Republicano. Mitt Romney concorreu contra Obama em 2012.
  • Desde 2016 no Texas (Estados Unidos) é permitido a maiores de 21 anos com licença de porte de armas levar armas para as instalações universitárias públicas. O mesmo já acontecia anteriormente em Mississipi, Kansas, Wisconsin, Colorado, Utah, Idaho e Oregon (outros estados dos Estados Unidos).
  • Cidades como Nova Iorque, Los Angeles ou Chicago são mais progressistas mas têm custos de habitação proibitivos Os seus habitantes acabam por ter de as abandonar e ir para estados do Sul e do Oeste. Por outro lado em 2018 o Texas produzia tanto petróleo como no Iraque. Por isso no Texas acaba por ser um bom sitio para ter negócios – e ter empregos. Por isso Miguel Monjardino dizia em 2018 que o futuro dos EUA é o Texas ignorante, conservador e retrógado.
  • Em 2007 Putin foi à Conferência de Munique sobre Política de Segurança fazer um discurso contra o alargamento da NATO. Na altura havia no Congresso dos EUA discussões entre democratas e republicanos acerca de como os norte-americanos haviam de reagir a Putin.
  • As tensões entre a Geórgia e a Rússia intensificaram-se em Abril de 2008, levando à Guerra Russo-Georgiana. Um acordo de cessar-fogo entre a Geórgia, Rússia, Ossétia do Sul e Abecásia foi negociado em Agosto de 2008, tendo a França como mediadora. Em 17 de Agosto, os russos retiraram suas tropas da Geórgia e, em 8 de Outubro, deixaram as zonas-tampão adjacentes à Abecásia e Ossétia do Sul, com o controle sobre estas transferido para a Missão de Observação da União Europeia na Geórgia. A Rússia reconheceu a Abecásia e a Ossétia do Sul como repúblicas independentes em 26 de Agosto de 2008. Em resposta à ação da Rússia, o governo georgiano rompeu as relações diplomáticas com o país. Desde a guerra, a Geórgia mantém sua posição de que a Abecásia e a Ossétia do Sul são territórios georgianos ocupados pela Rússia.
  • Em 2021 a Austrália assinou o Acordo AUKUS: entre a China e os EUA, preferiu os EUA.
  • Acordo AUKUS: Austrália, Reino Unido e EUA. Segundo a China o acordo AUKUS resulta de uma “mentalidade típica da Guerra Fria”, que poderá gerar uma “corrida armamentista” e “prejudicar a estabilidade e a paz regional”.
  •  Em 15 de Setembro de 2020, nos Estados Unidos, foi assinado um tratado entre Israel, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein assinaram um acordo de paz histórico que foi um avanço significativo e abriu uma nova era de paz no Médio Oriente. Chamam-se Acordos de Abraão. Em seguida, Marrocos juntou-se a esse grupo de paz e renovou suas relações com Israel, assim como, mais tarde, o Sudão, que anunciou a normalização das relações com Israel. Ao fazê-lo, esses países se juntaram ao Egipto e à Jordânia, os primeiros a assinar acordos de paz com Israel em 1979 e 1994, respectivamente.
  • O autor cita Shoshana Zuboff, Peter W. Singer, John von Neumann, Halford Mackinder, Nicholas J. Spykman, Zbigniew Brzezinski, Randall Schweller, Nuno P. Monteiro, José Cutileiro, Tucídides, Donald Kagan, Heródoto, Paul Krugman, Philipp Meyer, Colin Woodard, Políbio, Plutarco, Homero, Peter Pomerantsev, Thomas Carlyle, Bernard Knox, Fabian Zuleeg, Ricardo Borges de Castro, Adam Tooze, entre outros.

Concluindo

Miguel Monjardino, tal como eu, não sabe para onde irá a história. O que ele tem a certeza (e eu também) é que neste momento e num futuro próximo haverá permacrise e/ou policrise (podes escolher as duas palavras) na Europa.

Como se pode ver por este resumo-para-memória futura este livro tem informação muito útil. Para além disso exemplifica bem como pensa um neo-liberal e um acrítico pró-americano.

Leitura de: Miguel Monjardino, Por onde irá a história? (Lisboa, Clube do Autor, 2023)