Manifestação Casa para Viver a 30 de Setembro, por Filipe Tourais

(Aviso: O título é da minha responsabilidade.)

«Um país que, ao mesmo tempo que se foi permitindo não ter oferta pública de habitação, também foi deixando esmagar os salários que pagam as contas lá de casa e agora não chegam para pagar exactamente aquela conta da qual depende haver casa, a renda ou a prestação, ontem saiu à rua. Foram entre 40 e 50 mil em Lisboa, entre 8 e 10 mil no Porto e, o défice de representatividade democrática das estruturas locais é uma explicação a não descartar, escassas centenas em cada uma das restantes cidades onde também havia manifestações agendadas. Terá sido como o retratou o Senhor Presidente da República, um sinal de vitalidade da nossa democracia, estamos de acordo, mas é gente a mais para ser apenas esse mínimo.

O sinal de vitalidade da nossa democracia do Senhor Presidente é a aflição de um povo explorado por um país que paga salários abaixo do limiar de sobrevivência, cobra impostos acima do limiar da decência e, em vez de penalizações e restrições com vista a reduzir os seus efeitos sobre o custo da habitação, concede toda a espécie de benefícios fiscais e outros incentivos a fundos imobiliários especulativos, vistos gold, nómadas digitais e reformados da Europa dos ricos que continuam a ser convidados para virem para cá adquirir ou arrendar ao preço que seja para revenderem com o maior ganho possível, inflacionando o mercado. A habitação não pode continuar a ser olhada pelas políticas públicas como um negócio como outro qualquer.

O país que ontem saiu à rua é o mesmo que optou por dar estabilidade governativa a uma gente que tem as receitas e a rentabilidade do sector do imobiliário e do turismo acima das necessidades de habitação do povo que governa na sua escala de prioridades.

É o país onde a renda de 500 cobrada pelo pequeno proprietário imobiliário é tributada à mesma taxa de 28,8% que também corresponde ao grande proprietário que multiplica os 1000 de cada renda pelas 20, 50, 100, o número que seja de habitações que tenha para arrendar.

É o país de um sector financeiro que conta com toda a espécie de cumplicidades governativas, colecta solidária e obrigatória para toda a população na hora de tapar os buracos da delinquência banqueira e total inacção na hora de lhe impor limites à gula nas dez vezes consecutivas em que Frankfurt lhe renovou a liberdade para ir aumentando as prestações do crédito à habitação a cobrar aos clientes até ao dobro que actualmente se verifica.

E é o país dos Governos que contam com a compreensão de um povo que se foi acomodando e acostumando a tudo, até a pagar IVA de bem de luxo sobre tarifários de electricidade dos mais caros de toda a Europa, sem dar sinais de vitalidade democrática. Um país democrático, que ainda por cima é o segundo da Europa onde se trabalham mais horas anualmente, cujos salários são insuficientes para garantir despesas básicas como habitação, não é apenas um país inviável. É um esbanjador de democracia.

Bem sei que a popularidade do que aqui se lê sairia beneficiada se não incluísse este último parágrafo, mas quero lá eu bem saber de popularidades, as eternas vítimas podem guardar os “likes” para quem escreva vitimários por medida. O papel de vítimas não casa com vitalidade democrática. Foi a ausência de vitalidade democrática que até aqui nos trouxe. Será a vitalidade democrática que nos permitirá sair daqui. Partir montras, manifestações de violência e a tolerância a fascistas são o oposto de vitalidade democrática.

Agora é olhar em frente. Todos juntos. Ontem fomos muitos. Amanhã seremos muitos mais. Esta força crescerá e não irá parar. Isto ainda nem começou.»

Filipe Tourais (1)

Comentário sobre as Imagens:

«”Fartos de escolher: Renda ou Comer”. Algumas dezenas de pessoas participaram este sábado, 30 de setembro, na manifestação “Casa para Viver” na Fonte Luminosa, em Leiria, uma ação promovida pelo movimento Porta a Porta pelo direito à habitação.» Região de Leiria (2). Eu estive lá.

Entretanto a manifestação de Lisboa contou com a presença indispensável (ironia) de Ventura & companhia.

«depois de um sábado de protesto ordeiro, em que os protestantes mostraram a sua indignação de forma pacífica, os donos da opinião já nos podem dar uma palmadinha nas costas e dizer assim sim, é assim que se protesta, e toda a gente vai para casa dormir um sono descansado, pelo menos os sortudos que ainda têm casa, sem problemas de consciência, que amanhã é dia de trabalho, a vida retoma o seu rumo e os protestos vão para o saco das tralhas de onde nunca mais irão sair, porque ninguém quer saber de quem vai ao banco ou à igreja de chapéu enrolado na mão a pedir piedade…» Álvaro Romão (3)

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(1) No Facebook em 01/10/2023.

(2) No Facebook em 01/10/2023.

(3) No Facebook em 01/10/2023.