Às vezes encontro citações de Gilles Lipovetsky nas redes sociais e parecem-me ter bom senso. Por isso decidi que era tempo de fazer algo semelhante ao que no ano passado fiz com Bertrand Russell: ir aprofundar, para além dos bitaites.
O Autor
Gilles Lipovetsky (1944- ) é um filósofo, sociólogo, professor universitário e escritor francês. É docente na Universidade Stendhal (agora fundida com outras universidades para criar a Universidade Grenoble Alpes).
Estudou filosofia nesta universidade e, enquanto estudante, participou no Maio de 68, para mudar o modelo de ensino superior francês. Mais tarde afastou-se do modelo que saiu do Maio de 68, por considera-lo promotor do individualismo.
Lipovetsky iniciou sua carreira filosófica como marxista, semelhante a muitos outros na época, filiado ao “Socialisme ou Barbarie” que exigia que o mundo não o transformasse, mas sim “engolisse”. Desde então, o seu pensamento mudou significativamente, incluindo a aceitação do capitalismo como “o único modelo econômico legítimo”. O seu primeiro livro, L’ère du vide : essais sur l’individualisme contemporain (1983) teve sucesso imediato. Desde então Lipovetsky continuou a escrever sobre temas como modernidade, globalização, consumismo, cultura moderna, mercados, feminismo, moda e os media, mas eles têm o traço comum do individualismo.
O Crepúsculo do Dever
A tese deste ensaio é que em todos os lugares, a revitalização dos “valores” e o espírito de responsabilidade individual são brandidos como a principal imperativo da época. Não há “retorno à moralidade” do passado. A era do dever rigorista e categórico foi eclipsada em favor de uma cultura inédita que difunde as normas do bem-estar mais do que as obrigações supremas do ideal, que transforma a ação moral em espetáculo recreativo e comunicação de companhia, que promove direitos subjetivos mas dispensa o dever doloroso. Gilles Lipovetsky dá como exemplos, entre outros: a bioética, a caridade (que vive da sua publicitação nos media), as acções humanitárias, a preservação do meio ambiente, a moralização dos negócios, da política e dos media (aqui fala da deontologia jornalística), os debates sobre aborto, o assédio sexual, as cruzadas contra drogas e tabaco.
A maioria das ideias do livro baseiam-se em inquéritos de opinião feitos aos franceses na década de 80 do século XX. O livro foi publicado originalmente em França em 1992.
(Nota Lateral: Refere Peter Drucker e Kant.)
Embora não concorde com todas as ideias de Gilles Lipovetsky recomendo este livro. Há muitas citações dignas de nota, mas destaco esta:
«Sociedade pós-moralista significa sociedade que renunciou a inscrever em letras de ouro os deveres supremos do homem e do cidadão, a declamar a grandeza da renuncia de cada um a si próprio. Isto não quer, de forma nenhuma, dizer que as intenções morais tenham enfraquecido: na verdade, no momento em que o apostolado do dever está caduco, somos, por toda a parte, testemunhas da reactualização da preocupação ética, de uma revivescência das problemáticas e “terapêuticas” morais. As grandes preocupações moralistas apagam-se, a ética regressa, a religião da obrigação esvaziou-se da sua substância, mas, mais do que nunca, o “complemento de alma” está na ordem do dia: “O século XXI será ético ou não existirá”».
Leitura de: Gilles Lipovetsky, O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos (Lisboa, Dom Quixote, 1994)