Cronologia de um protesto, por Filipe Tourais

(Aviso: O título é da minha responsabilidade.)

«Cronologia de um protesto de uma classe unida como há muito não se via.

Na Quinta, começaram a ouvir-se umas bocas do Governo sobre a greve dos professores ser ilegal, sem qualquer referência sobre qual seria a lei que sustentaria tamanha fúria.

Na Sexta, o Ministro da Educação convoca uma conferência de imprensa para falar sobre a greve. Toda a gente à espera que esclarecesse qual seria então a tal lei. Nada de lei. Em vez dela, o Ministro queixou-se da inteligência com que a luta estava a ser conduzida, que estava a ficar demasiado barata a quem aderia à greve, que não era uma greve de um diazinho à Sexta-feira à la Nogueira e, drama dos dramas, corriam rumores que uma cirurgiã abandonou um doente que ia operar para ir buscar o rebento à escola por não ter com quem o deixar. Queixinhas.

Mais à noitinha, Manuel Carvalho, director do Público, larga um artigo assanhadíssimo sobre a independência do jornalismo que se faz na publicação que dirige. Toma as dores do Ministro, vai avisando que a greve até pode ser legal, que até pode ser justa, mas que está muito longe de ser digna e é um tiro no pé porque os professores, afiança o senhor director, irão perder o respeito da sociedade por estarem a conduzir uma greve inteligente e a baixo custo. Os argumentos são os mesmos do Ministro. Como ele, não explica por que é que a gravidade de se perderem aulas com uma greve é maior do que se perderem aulas por não haver professores, ou por que diabo os encarregados de educação ficam zangados com as primeiras e aceitam as segundas, ou por que raio os portugueses não serão capazes de entender que os professores estão a lutar por uma carreira suficientemente atractiva para que nenhum aluno fique sem aulas em resultado de concursos que ficam desertos. Prefere atirar que “o combate dos docentes em seu favor não é franco, nem leal. A sua greve tem uma face de cobardia e outra de sabotagem que ficam bem ao radicalismo dos “coletes amarelos”, mas não combina com a gravitas dos professores. Uma greve, como todas as lutas justas, não pode cair no vale tudo.” As raivas de um director podem.

No Sábado, ao mesmo tempo que António Costa, em Coimbra, falava em tom incomparavelmente mais mansinho sobre o diferendo com os professores , o Ministro e o seu Manel tiveram oportunidade de verificar como a luta cresceu. Viram 100 mil em Lisboa numa manifestação como já não se via desde 2008. Eu sobre o coitado do Manel do Ministro não me alongarei muito mais.

Já sobre os Costas, João e António, apesar da tristeza que me invade o coração, não posso deixar de realçar a sua enorme façanha. Reparem que não é para todos. Conseguiram encher Lisboa com muito mas muito mais gente do que o meu Benfica irá encher o Estádio da Luz mais logo à tarde no derby dos derbies com o Sporting. 100.000 – 65.000 é absolutamente épico. Conseguir unir toda uma classe não é para todos. Venha o merecido prémio. Aquilo das demissões motivadas por minudências tem que acabar. Caramba. Um Benfica-Sporting ainda é um Benfica-Sporting. Proeza maior nunca mais irão conseguir. Ide descansar, ó Costas. E levem o cão convosco. Como diz o próprio, não vale tudo. Não o abandonem.»

Filipe Tourais (1)

(1) No Facebook em 15/01/2023.