Israel prestes a deixar de ser uma democracia, por Amílcar Correia

«É legítimo questionar se não iremos estar perante uma “democracia apenas no nome”, como referiu a procuradora-geral Gali Baharav-Miara? É.

Benjamin Netanyahu não olha a meios para atingir os fins: a manutenção no poder, custe o que custar. A constituição do novo Governo de Israel não augura nada de bom quer para o sempre latente conflito israelo-palestiniano, quer para o próprio regime democrático. A visita, esta terça-feira, de Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, ao Pátio das Mesquitas, foi uma provocação, até aqui sem incidentes, mas é um prenúncio do que irá acontecer nos próximos meses: um desafio constante ao reacender de um conflito sem solução.

A pasta da segurança de Israel deixou de estar entregue ao Exército para passar a ser detida por alguém que foi considerado demasiado radical para cumprir o serviço militar e que se afirma como seguidor de Meir Kahane, o fundador do Kach, um partido que foi ilegalizado e considerado como sendo terrorista por Israel e pelos EUA. Não é preciso dizer mais nada.

Como obteve apenas 32 dos 120 lugares do Parlamento, Netanyahu formou uma coligação de seis partidos, liderada pelo Likud, nos quais tomam parte três de extrema-direita e duas forças que representam os sectores ultra-ortodoxos. O que decorre daqui é por de mais evidente: a gestão de áreas sensíveis da governação irá ficar nas mãos de partidos que de humanismo e de democrático pouco ou nada têm.

É legítimo questionar se não iremos estar perante uma “democracia apenas no nome”, como referiu a procuradora-geral, Gali Baharav-Miara? É isso que se depreende, quando um governo pretende acabar com o poder do Supremo Tribunal para declarar leis inconstitucionais — o país não tem uma Constituição —, quer reforçar a autoridade política sobre a polícia e as novas forças militares que vão actuar na Cisjordânia, aumentar os colonatos em territórios palestinianos, legalizar a discriminação (por motivos religiosos) ou estabelecer uma equiparação entre o estudo da Tora e o serviço militar obrigatório.

O Governo mais extremista desde a criação de Israel, em 1948, tem tudo para ser um dos executivos mais nefastos da sua história. Na tomada de posse, Benjamin Netanyahu disse que irá governar para todos os israelitas e que a coligação não significava o “fim da democracia ou o fim do país”. O problema é que o primeiro-ministro israelita faz o contrário do que apregoa. Netanyahu está preocupado em ser primeiro-ministro e não com a salvaguarda das regras democráticas. Sejam bem-vindos ao “fascismo judaico”.»

Amílcar Correia (1)

(1) Opinião no Público, 03/01/2023.