Conversas com Insustentável Leveza: Álvaro Romão

Álvaro Romão tem uma imensa cultura geral e é um escritor talentoso. Mas ele é muito mais do que isso, como em breve descobriremos.

Nos anos oitenta teve uma breve passagem pelo curso de Linguística que abandonou pelo Cinema e ingressou na Escola Superior de Teatro e Cinema, onde tirou o curso de Montagem. Escreveu sobre cinema nos jornais Blitz, Universitário do Porto e Região de Leiria. Foi colunista do Jornal de Leiria. Trabalhou como assistente de realização de, entre outros, Ruy Gerra, Eric Barbier, João Pedro Rodrigues e Marco Martins. Começou a realizar publicidade e, mais tarde, documentários. Escreveu o argumento de Contrato, filme que Nicolau Breyner realizou. Tem sido jurado do Leiria Film Fest desde a primeira edição. Foi co-fundador do colectivo a9)))). Tem um blogue de contos estoriasdaviolencia.wordpress.com, onde escreve contos diariamente, e um blogue sobre cinema asfolhasdesala.wordpress.com, onde escreve quanto lhe apetece.

Insustentável Leveza – Três livros que o tenham marcado.

Álvaro Romão – Tudo o que me marca também é definido pelo momento em que olho para trás, de onde o faço e porque o faço. Hoje sou marcado por coisas que, eventualmente, amanhã deixam de o ser e passam a ser outras. Não porque seja inconstante (que sou) ou parvo (também), mas tem muito a ver com a memória, a minha memória, e a incapacidade de a manter inalterável. Livros que me tenham marcado? Há livros que já esqueci, outros que vou esquecer, livros que já nem me lembro que li, e não quer dizer que não tenham sido importantes para mim então, agora ou ainda mais tarde. Amanhã posso recordar-me de outros e esquecer estes. Estou sempre em constante mutação. Às vezes queria parar um pouco. Mas não consigo. Para não alongar demasiado, a resposta vai com 4 livros (ao dia de hoje):

– Os Cinco nos Rochedos do Demónio da Enid Blyton, e podia ser outro qualquer dela, da Enid Blyton, qualquer uma estória dos Sete, dos Cinco, das Gémeas, do Colégio das Quatro Torres ou da Mistério. Porque a Enid Blyton foi muito importante para o meu prazer inicial pela leitura, pelo desejo de aventura, pelo prazer da estória. Os Cinco nos Rochedos do Demónio porque também foi uma aventura que vivi, com a Malta da Rua, num tempo em que ainda tínhamos aventuras assim, na rua, no pinhal, fora dos holofotes dos pais, e lhes podíamos dar nomes e garantir-lhes a eternidade – e como se pode ver, ainda hoje não a esqueci;

– A Mulher Só de Harold Robbins porque foi o meu primeiro livro adulto, oferecido por uma prima mais velha que achou que eu já tinha idade suficiente para ler outras coisas. E a verdade é que outros mundos se abriram com o Harold Robbins. Durante algum tempo mergulhei na leitura dos seus livros (fiz uma enorme colecção de livros do Harold Robbins editados pelo Círculo de Leitores e Os Aventureiros até o cheguei a reler, mas já não passo por aqui há, sei lá, 35 anos?…;

– Todo-o-Mundo de Philip Roth porque foi a minha entrada, tardia, no universo de Philip Roth, aquele escritor que, ainda hoje, posso dizer que é o meu escritor preferido, acho que li quase tudo dele, e que tem tantas adaptações miseráveis ao cinema;

– O Meridiano de Sangue de Cormac McCarthy, porque foi o livro que me fez perceber que a violência, por mais horrível e abjecta que seja, também pode ser uma forma de arte. E não me julguem mal pelo que estou a dizer. Leiam a violência de McCarthy e vão perceber o que estou a dizer, especialmente neste brutal western que foi, também, a minha entrada neste universo tão peculiar como é o de MacCarthy.

E ainda não tinha acabado de escolher estes títulos, já outros se abalançavam para também serem escolhidos. Na verdade, há muita coisa, e não só literatura, que me marcou na vida, algumas delas nem sequer me apercebi, só mais tarde é que acabei por lá chegar e desconfio que há ainda muitas outras coisas importantes à espera de serem recuperadas ou reconhecidas.

Insustentável Leveza – Como se define? Qual é aquela que considera ser a sua profissão?

Álvaro Romão – É um problema o que nos define profissionalmente hoje em dia. Somos o que fazemos, mas só fazemos uma coisa?

Eu considero-me um cineasta, com uma obra ainda curta. Mas sou muito mais que isso. Espero eu. O meu gosto por cinema faz de mim, também, um cinéfilo. Vejo muito cinema. Vejo muitos filmes. E o ver não está ligado ao fazer. Embora comuniquem. Mas antes de fazer, vejo, já via, sempre vi. O cinema, para mim, só faz sentido visto. Mas não corro atrás da popularidade. Entendo-a, entendo que assuntos mais simples ou formas mais simplificadas de contar uma história consiga chegar a mais gente. Mas não devemos limitar o gosto à quantidade. Quantidade não é qualidade. Não é a maioria que faz uma obra. Limita-se a dar-lhe exposição. Só. Quando se entra numa livraria e há uma mesa de novidades, não são as novidades todas. São uma selecção, uma escolha. Uma escolha que reflecte o gosto da livraria, ou de quem lhe está à frente, ou o conhecimento do público que a frequenta. Só isso. Porque vivemos numa época de excessos, excessos de criação, de produção e tem de haver selecções, escolhas, várias ao longo da cadeia. O problema são as coisas que vão ficando para trás. Mas isso também é a vida. O que vai ficando para trás. Que não é necessariamente o mais fraco, o pior, o falhado, simplesmente não foi encontrado. Por isso também me defino como um seleccionador. Um seleccionador de obras. Obras que descubro, às vezes sozinho, às vezes por conselho de outras pessoas, às vezes por puro acaso, às vezes por outros caminhos em busca de outras coisas que não têm nada a ver. E gosto de mostrar o que descobri. Gosto de dar a conhecer o que me fascina. É por isso que não me coíbo de espalhar as coisas que gosto aos quatro-ventos. Quero que as pessoas também tenham acesso às mesmas boas sensações que eu tive.

Mas também escrevo. E publico em blogues e no Facebook porque quero que me leiam. Gosto que me leiam. Gosto de me sentir apreciado. Também desenho (mal) e fotografo (sou um repentista), o que não faz de mim nem uma coisa nem outra e, ao mesmo tempo, faz de mim alguém que tem necessidade de estar sempre a produzir arte, a tentar chegar aos outros, a provocá-los, a dar-lhes objectos para pensarem e colocarem em causa. Mesmo a mim. Especialmente a mim.

A minha profissão é o que me faz ganhar dinheiro, mas nos últimos anos não tenho ganho grande coisa com aquilo que faço. A arte, a cultura, tende a ser vista como um hobbie que alguém faz porque gosta de fazer. Se chamas um canalizador para ir arranjar um cano a tua casa, não te passa pela cabeça não lhe pagares o trabalho. Mas quando convidas alguém para escrever num jornal, avisas logo que não podes pagar. Ninguém quer pagar por ideias, por opiniões, por estórias. Mas é isso que me define afinal, sou um contador de estórias (nos mais diversos formatos). Mesmo que, genericamente, ninguém me pague nada por elas.

Insustentável Leveza – Qual o melhor filme realizado por si? Ou ainda está por realizar?

Álvaro Romão – O melhor está sempre por ser feito até porque sofro do problema da insatisfação. Nunca estou contente. Nunca estou satisfeito com o que fiz. Tenho sempre que mexer. Aprimorar. Por isso, por vezes, ponho um ponto final nas coisas, mesmo que ache que não estão como deviam ou podiam estar. Tenho de pôr um ponto final. O que acaba por não ser muito difícil porque, ao mesmo tempo que tenho insatisfação, também tenho um enorme desinteresse que se manifesta amiúde e me faz cansar rapidamente de determinadas coisas que esteja a fazer. Tenho de andar constantemente no fio desta navalha: levar as coisas a bom termo antes de me fartar delas. É um equilíbrio difícil e que às vezes traz incompreensão nas outras pessoas. Mas também é isso que me faz produzir o que produzo.

Insustentável Leveza – Como vê o mercado cinematográfico português?

Álvaro Romão – O mercado cinematográfico português é o céu e o inferno. Se por um lado temos criação, há bastantes, e alguns bastante bons, realizadores e argumentistas, excelentes equipas técnicas e artísticas dos mais variados sectores, com muitas provas dadas nos festivais por onde têm passado, e com os prémios que vão arrecadando um pouco por todo o lado, para além da muito boa recepção crítica (e isto, generalizando, que é a única maneira de o poder fazer agora aqui), o mercado cinematográfico português não existe.

Primeiro que tudo, somos um país pequeno, com poucas pessoas e, por isso, com um mercado bastante pequeno que não pode, mesmo na excepcionalidade de filmes de grande sucesso, pagar um filme. Ou seja, não há pessoas suficientes no país para irem ver filmes e pagá-los na bilheteira. Depois, e também por isso, não há entidades particulares a investirem num filme: não há retorno. O cinema português vive dos subsídios, que são poucos, há anos em que são/foram inexistentes e a tão aclamada lei do mecenato não tem existido no cinema, tirando alguns casos pontuais. Percebam, fazer um filme á caro. Claro que se pode pegar num telemóvel e realizar um filme e colocá-lo no Youtube. Mas isto não é cinema. Será outra coisa qualquer, mas não é cinema. Um filme precisa de muita gente. Um realizador, um produtor, um director de fotografia, um engenheiro de som, um responsável pelo guarda-roupa, um director de arte, um aderecista, um maquilhador, um cabeleireiro, mais os assistentes de cada um destes responsáveis, assistentes imprescindíveis e que não são meros assistentes, são especialistas na sua arte, como o assistente de imagem, por exemplo, que é o tipo responsável pelo foco, o garante que a imagem está focada ou desfocada consoante as necessidades do realizador, e o operador de câmara que tem que fazer o enquadramento que o realizador pediu, enquadrado ou desenquadrado, em tripé ou à mão, tudo no ambiente luminoso, ou sombrio, desenhado pelo director de fotografia ajudado pela equipa de electricistas que colocam as luzes nos sítios indicados e fazem lá chegar a energia levada pela manga que o grupista, responsável pelo grupo gerador de energia (um gerador portátil, normalmente um camião) estendeu, ou o perchista que, mais que um assistente de som é o grande responsável por levar o microfone ao plateau para captar a voz dos actores e o som ambiente, tendo de fugir às sombras provocadas pela iluminaçãoo artificial do director de fotografia e escapar ao enquadramento do operador de câmara… Ufa. Fazer cinema é uma arte, e é muito mais complicado que o glamour à volta da equipa artística (os actores) pode deixar antever. Sim, para além disso são preciso actores, um actor por personagem (às vezes há actores que fazem mais que uma personagem, mas isso é outra história), mais a figuração e gente para dirigir tudo isto. O que eu quero dizer é que é preciso dinheiro para toda esta gente. Um filme é toda esta gente. E já nem falo da pós-produção, o que acontece ao que se filmou para terminar naquele conjunto completo que se vê numa sala de cinema, na televisão, em dvd, em streaming ou que roubamos na internet. E ainda poderia e deveria falar da promoção que seria preciso fazer ao filme, ao levá-lo aos festivais e ao levá-lo ao conhecimento das pessoas; marketing também custa dinheiro. E nem referi o nascimento do projecto, a ideia, a escrita do argumento, a batalha para se conseguir um financiamento que possa tornar aquela ideia de filme em filme.

E volto a uma resposta anterior. É uma selecção que se faz quando se promove um filme. Se ninguém souber da existência de um determinado filme, ninguém irá à procura dele. É preciso fazer um filme salientar-se no meio da selva da comunicação, da arte e do entretenimento.

Depois há ainda outros factores como o facto do cinema americano ter absorvido o imaginário da população. Desde o final de segunda guerra que os americanos levam o cinema a sério (já o levavam antes porque perceberam cedo que era uma industria que podia ser muito lucrativa) e foram entrando pelos países e fixando-se lá. O cinema americano tem uma linguagem muito simples e que já entrou no imaginário popular. Nos primeiros dez minutos de filme já toda a gente sabe quem é quem e o que é que está a acontecer. Quando se sai deste tipo de narrativa tão simplificada, obriga a usar outros descodificadores de códigos. E, às vezes, somos muito calões para embalar na novidade. Mas quando ganhamos coragem e entramos noutras linguagens percebemos quão gratificante pode ser.

Há gente que se queixa que não consegue perceber o som dos filmes portugueses. Isso também é um mito. A verdade é que o espectador médio está habituado a ler as legendas (e eu sou um fervoroso adepto das legendas para filmes estrangeiros, porque considero que a voz original faz parte da personagem e do filme) e quando tem de escutar o som, perceber uma voz, uma língua, tem alguma dificuldade em adaptar-se. Não é a única razão, mas é uma das principais.

Volto ao início: como vejo o mercado cinematográfico português: o céu e o inferno.

E pensem: como em tudo na vida, a experiência aguça o resultado final. Um realizador só apura o seu trabalho cinematográfico com a realização de filmes. Um realizador filma de quatro em quatro anos, de cinco em cinco anos, e é quando é. Como é que é possível que exercite as suas competências? A maior parte do tempo anda a tentar vender as suas ideias e arranjar financiamento. Um realizador também precisa de ser um vendedor. Eu não sou vendedor. Eu não consigo vender nada a ninguém. Nem quero.

O mercado cinematográfico português?…

Insustentável Leveza – Deve ter muitas histórias do tempo em que era jornalista do Blitz. Conte uma delas.

Álvaro Romão – Eu nunca fui jornalista do Blitz. Aliás, eu não sou nem nunca fui jornalista. Eu colaborava com o Blitz na análise e crítica de cinema. Tinha um espaço, acho que era uma página ou parte de uma página, onde escrevia sobre os filmes em cartaz, algumas estreias e, por vezes, alguns lançamentos especiais em dvd. Mas geralmente era uma ou duas críticas a filmes por semana.

Também cheguei a fazer a alguns poucos, discos. E foi no seguimento disso que uma vez escrevi um texto sobre o lançamento dos LX90 e do seu primeiro disco Uma Revolução por Minuto, num concerto ao vivo, numa antiga discoteca aqui de Leiria, chamada Lello’s, acho que se chamava assim. Eu tinha ouvido o disco e tinha gostado. Estava muito longe dos Heróis do Mar, de quem eu gostava bastante e de onde vinha uma parte da banda, e estava curioso de ver aquele disco ao vivo. E foi uma desilusão. Uma enorme desilusão. E expressei isso nas páginas do jornal. E houve quem não gostasse do meu texto e enviaram cartas para a redação a dar conta disso mesmo. Acho que chegaram mesmo a ameaçar-me. Foi a minha primeira experiência com o ódio público.

Insustentável Leveza – Como surgiu a necessidade de escrever contos?

Álvaro Romão – Sempre escrevi estórias. Mais a sério, quando comecei a escrever argumentos para projectos cinematográficos que nunca realizei, mas que fui levando sempre aos concursos do ICA. Eram sempre estórias originais minhas.

E sempre escrevi. Gosto de escrever. Passei pelo Blitz, pela Região de Leiria, pelo Jornal Universitário do Porto (acho que era assim, já lá vão muitos anos) e outras coisas assim avulso, noutros lugares, até terminar no Jornal de Leiria que foi o último sítio para onde escrevi. Quando deixei de escrever assim por obrigação, senti falta e rapidamente senti necessidade de continuar a escrever coisas. Fosse a minha percepção do mundo, fosse a minha opinião sobre a minha cidade, fosse o que fosse. Foi nessa altura que decidi começar a escrever um texto por dia, para me satisfazer a necessidade de escrever e, ao mesmo tempo, não perder o hábito da criação. Os primeiros textos ainda não eram bem contos, eram umas ideias soltas, uns estados de espírito, umas imagens, mas logo começaram a ganhar forma e começaram a tornar-se estórias. E todos os dias, publicava/publico uma estória no meu mural do Facebook. Mais tarde criei um blog e publiquei todos os contos lá. São contos pequenos, aliás, não seriam lidos no Facebook se fossem muito grandes. Têm mais ou menos uma página ou página e meia. Às vezes há contos maiores e há contos que se dividem por vários dias. Então, desde 27 de Junho de 2017, fez agora três anos, que escrevo uma estória por dia directamente no Facebook e depois guardo-a no blog Estórias da Violência estoriasdaviolencia.wordpress.com.

Insustentável Leveza – Qual a sua opinião sobre o mercado editorial português?

Álvaro Romão – Não tenho conhecimento suficiente do mercado editorial para poder ter uma opinião. Como leitor, espero que continue a editar bastante, especialmente os livros que mais me interessam. E, até ver, não me posso queixar.

E mais posso dizer que gosto especialmente de algumas pequenas editoras que arriscam editar obras que fogem ao gosto dominante, ao gosto das grandes massas, especialmente a poesia, e que me atingem directamente no coração.

Insustentável Leveza – Nazaré, Lisboa, Leiria. Qual o melhor lugar para viver?

Álvaro Romão – Já cheguei a uma idade em que prefiro sítios mais pequenos e mais calmos. Gosto de estar isolado. Gosto do sossego. Da tranquilidade. E quando preciso de caos, de loucura, tudo está aqui mesmo ao lado.

Eu sou de um tempo em que para ir de Leiria ao Algarve era um dia inteiro. Quando fui estudar para Lisboa, a auto-estrada começava em Aveiras. E, antes disso, no Carregado. Demorava várias horas a fazer estes 130 quilómetros que nos separam. Nessa altura ainda se fumava nos expressos. Jogava-se ao Cinema, bebia-se cerveja, era uma odisseia.

Hoje não. Hoje estamos a uma hora de Lisboa. A hora e meia do Porto. Meia-hora de Coimbra. Portugal ficou ainda mais pequeno. A internet ligou-nos a (quase) todos. Muita gente pode trabalhar em casa, à distância, muito antes ainda deste teletrabalho motivado pelo Covid-19.

Gosto de grandes cidades. Mas também gosto de cidades médias. Gosto da tranquilidade dos sítios pequenos e de usufruir o que as grandes cidades têm para oferecer.

O melhor sítio para viver é onde estiver a viver no momento. Gosto de sítios pequenos com a possibilidade de ir a todo o lado. E cada terra tem o seu encanto. E eu só preciso de uma cama rija e livros e filmes à minha volta.

Insustentável Leveza – Se fosse eleito vereador numa dessas câmaras, que medidas proporia?

Álvaro Romão – Nunca seria eleito vereador de nenhuma câmara. As minhas ambições na vida não passam por aí. Embora me importe a política, tudo é política e é a política que nos rege, e eu sou bastante político, tenho as minhas ideias, as minhas convicções, mas consigo viver com as ideias dos outros se estiverem dentro da democracia e do respeito pelos outros, mas nunca quereria ter responsabilidades a esse nível.

E não deixo de fazer a minha crítica sempre que a acho necessária.

Insustentável Leveza – Qual a obra de arte ou de design que mais o marcou?

Álvaro Romão – Tenho sempre muita dificuldade em escolher coisas.

Quando era miúdo e ia com os meus pais a Badajoz, aos caramelos, como muitos portugueses, às vezes íamos a uma loja de brinquedos e o meu pai deixava-me escolher um brinquedo para eu trazer. Às vezes era dramática, a escolha. Cheguei a não trazer nada pela impossibilidade de escolher um.

Sou muito susceptível. Gosto de muita coisa ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Mas, tentando ser mais concreto com a pergunta, talvez o momento em que vi ao vivo o esmagamento do Guernica, ou a primeira vez que vi, numa sala de cinema, O Couraçado Potemkin, ou quando me defrontei com o peso e a grandiosidade de qualquer uma das obras do Richard Serra que vi ao vivo ou ainda quando fui aos desertos do Sahara e do Namibe ou às Cataratas de Iguazú – sim, acredita que são obras de arte imensas. E intensas. E que marcam.

Insustentável Leveza – Qual foi o pior conselho que lhe deram?

Álvaro Romão – As pessoas dizem sempre muita coisa. Muita asneira. Mas também dizem coisas boas. Porque gostam de falar. Gostam sempre de falar muito. Eu também. Eu não sou diferente dos outros. Às vezes as asneiras vêm sob a forma de conselhos. Aceito conselhos. Não ligo quando são idiotas. Mas o que me irrita mesmo é quando dizem “Vai ficar tudo bem!” quando sabemos que não vai.

Insustentável Leveza – Qual foi a decisão mais importante da sua vida?

Álvaro Romão – Para o bem e para o mal, o momento em que decidi que queria fazer cinema. Isso definiu o rumo da minha vida. E esta decisão é todo um tratado. As paixões às vezes matam.

Insustentável Leveza – Qual foi a sua maior conquista?

Álvaro Romão – A vida em si é já uma conquista. O facto de conseguir manter-me por aqui, apesar de tudo, é uma grande conquista. A partir de certa altura já não medes as coisas pelos feitos, mas por ainda andares a fazer. Por ainda estares vivo.

Insustentável Leveza – Três filmes, de outros realizadores, que o marcaram.

Álvaro Romão – Quando fiz as provas para entrar na Escola de Cinema, esta era também uma das perguntas. Três filmes que te tenham marcado e levado a querer fazer cinema, qualquer coisa assim do género. Como já respondi lá mais para trás, este tipo de resposta, para mim, está muito presa ao momento. Às minhas memórias, ao que é mais recente, ao que está ainda a ecoar, a qualquer momento do passado a que fui por qualquer motivo em concreto. Por isso, é sempre subjectivo. Eu gosto de listas, gosto de listas porque ajudam-me a criar memória das coisas e a perspetivá-las. Por vezes, ao ver essas listas, recordo coisas que já tinha esquecido. Mas pronto, hoje, agora, neste momento, três filmes que me tenham marcado e que me venham à memória: O Esplendor na Relva do Elia Kazan, O Vale Era Verde de John Ford e Pedro, o Louco de Jean-Luc Godard. Mas podia estar aqui a dar uma lista infinita. Três outros filmes. E mais outros três. Gosto muito de cinema. Gosto mesmo muito de ver filmes. Por vezes, até gosto mais de os ver que de os fazer. E gosto muito de os fazer.

Insustentável Leveza – Três músicas que fazem parte da banda-sonora da sua vida.

Álvaro Romão – A explicação que dei para a pergunta anterior também serve para aqui. Na música como no cinema. A diferença é que não sei fazer música. Mas tenho pena. De qualquer forma, é central na minha vida. Não consigo conceber-me sem música à minha volta. Três músicas que estejam na banda-sonora da minha vida, hoje ainda? I’ll Be Your Mirror dos Velvet Underground & Nico, Bathysphere dos Smog e Disappearer dos Sonic Youth. Mas daqui a cinco minutos podem ser outras.