Israel, Alemanha e Palestina (3), por Lutz Brückelmann

(Aviso: Antologia de textos do Facebook. O título é da minha responsabilidade.)

«É triste que o Estado alemão embarca neste tipo de demagogia, e que tantas pessoas acriticamente a reproduzem.

Para constatar o óbvio: sou absolutamente contra a expulsão dos judeus do território de Israel. Sou sempre, isto é: sempre, contra limpezas étnicas! Também quando, como seria neste caso, se tratasse da reversão de uma limpeza étnica anteriormente cometida (e aliás ainda em curso, em passo lento) no sentido contrário. Quem quer paz e limitar o sofrimento das pessoas tem de ter essa posição.

Dito isso: Estaria a favor de um Estado livre e democrático, multiétnico e laico, em que os palestinianos que tiveram aí as suas origens, e os judeus/israelitas que hoje lá vivem, podiam viver conjuntamente e pacificamente. FROM THE RIVER TO THE SEA. Não acredito que esse Estado utópico seja viável, por haver tanto ódio acumulado que daria sempre num banho de sangue. Por isso favoreço, a falta de melhor, a solução dos dois Estados.

Mas que uma população reclama a recuperação integral do seu território de que foi violentamente expulso, por imigrantes que eram uma minoria residual (abaixo dos 10% no início da imigração) e lá estabeleceram um Estado étnico só seu (!), isto é absolutamente compreensível e até parece justo – só não é porque a reposição da justiça causaria muito novo sofrimento humanamente inaceitável. Face a isto, a indignação moral e o repúdio público perante a reclamação “from the river to the sea” é, na melhor das hipóteses, fruto de ignorância, mas mais vezes um exercício de suprema hipocrisia. Tanto mais quando quem, como o Estado alemão, criminaliza quem profere este slogan, colabora, mesmo se não o diz em voz alta, economicamente, politicamente e militarmente na concretização do slogan, mas por Israel. A Alemanha ficou, salvo umas palavrinhas de ocasião que eram claramente apenas “lip-service”, durante mais de trinta anos calado a respeito da política dos colonatos – 700.000 novos residentes judeus nos territórios ocupados desde os anos 90! – e da sabotagem sistemática do estabelecimento de um Estado palestiniano.

Nada disto significa que o Hamas não seja uma organização assassina e tem de ser combatido, também com violência. Mas os palestinianos no todo que querem as suas terras, as casas e a liberdade de habitar o seu território de volta, não merecem a cacete moral de nós europeus.

Nós que primeiro fomentámos essa imigração violenta com a nossa perseguição aos judeus, e depois a viabilizámos enquanto poder colonial. Merecem respeito e uma perspectiva que lhes permite ver que a sua ambição nos moldes violentes a absolutos em que certamente muitos o hoje desejam, é inaceitável e inviável na luz dos direitos humanos. Que deve proteger todos por igual, judeus, palestinianos e todos os outros.»

Lutz Brückelmann (1)

«O Spiegel reporta a posição do governo alemão sobre o bombardeamento das tendas em Rafah:

“O Governo alemão parte do princípio de que o lado israelita cometeu um erro no contexto do ataque. O seu porta-voz, Steffen Hebestreit, disse em Berlim, na segunda-feira, que estão em curso investigações em Israel para determinar se se tratou de um ataque direcionado: “A conclusão sobre se se trata de um crime de guerra no sentido do direito internacional é algo que deve ser deixado aos advogados que conhecem os factos exactos”. O porta-voz do governo avisou: “Primeiro investiguem o que aconteceu exatamente e depois façam um julgamento. E não fazer um julgamento imediato com base em imagens.”

Não sei como o porta-voz do governo alemão, e os seus superiores, os ministros verdes Habeck e Baerbock e o chanceler social-democrata Olaf Scholz conseguem olhar-se no espelho de manhã.

Porque o governo alemão sabe o que é publicado pelo Guardian, pelo Haaretz, pelo +972-magazine e o website Local Call. Que reportaram sobre os critérios de Israel para danos colaterais:

“Haaretz recently reported that the Israel Defense Forces have created “kill zones” in Gaza: anyone who crosses their invisible lines can be shot. An investigation by the Israeli-Palestinian magazine +972 and the Hebrew-language site Local Call this week revealed a ghastly mechanisation of war: the military is using AI systems to identify targets, and sources said that 15 or 20 dead civilians were permitted as collateral killings during airstrikes on those identified as low-ranking militants. These are typically carried out with unguided munitions known as “dumb bombs”, preferable to anything more sophisticated because, according to one intelligence officer: “You don’t want to waste expensive bombs on unimportant people – it’s very expensive for the country and there’s a shortage [of those bombs].”

De Netanyahu nunca esperava nada que se assemelhasse a decência. Mas confesso que do chanceler, do seu porta-voz e dos ministros referidos esperava alguma. Tal como dos jornalistas do Spiegel. Por isso sinto ainda incredulidade e desespero quando os vejo mais uma vez deitar velas de fumo para encobrir crimes contra a humanidade de evidência gritante.»

Lutz Brückelmann (2)

«Mesmo que isso possa parecer estranho, tanto ou mais do que as atrocidades que ocorrem em Gaza, o que me tira o sono é a atmosfera inteletual e moral na Alemanha que se manifesta a propósito desta guerra. Julgava não ter ilusões sobre os alemães, mas hoje confesso-me chocado ao ponto do desespero. Não é só a repressão direta e indireta a que as entidades públicas submetem os críticos de Israel, é muito pior. Há um ambiente de tabu tão grande, que tolda o raciocínio elementar das pessoas, incluindo pessoas atentas e inteligentes e de boa vontade, que não conseguem somar dois mais dois ou, mesmo quando lhes é demonstrado, não são capazes de assumir o resultado para o seu raciocínio futuro.»

Lutz Brückelmann (3)

«Na Alemanha, a boa e velha tradição da autocrítica socialista volta a florescer. E tal como antigamente, a autocrítica e confissão pública de remorsos profundos são indispensáveis, mas não garantem que se escape ao fuzilamento. Em sentido figurado, felizmente, porque na República Federal da Alemanha de 2024 trata-se apenas do fim abrupto de uma carreira no serviço público.

Falo da atual reitora da minha Alma Mater, da Universidade Técnica de Berlim. Ela está em risco de ser demitida, não obstante o referido arrependimento público e a anunciação de uma série de iniciativas para corrigir o que fez.

O seu crime: Ela fez um like a uma fotografia no X que mostrava uma manifestação em que pessoas seguravam um cartaz que representava Netanyahu com uma suástica.

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Eu sei que cá em Portugal, para a maioria a insanidade dessa exigência é óbvia, e que na Alemanha muitos acham esse McCarthyismo apropriado.»

Lutz Brückelmann (4)

Ver Também:

Hass und Hafermilch

TU-Präsidentin beantragt Disziplinarverfahren gegen sich selbst

(1) No Facebook em 24/05/2024.

(2) No Facebook em 28/05/2024.

(3) No Facebook em 01/06/2024.

(4) No Facebook em 05/06/2024.