Sobre a decadência do jornalismo, por Bruno Carvalho

(Aviso: O título é da minha responsabilidade.)

«Alguns jornalistas em Portugal são profundamente corporativistas e, como em muitos outros sectores profissionais, quem encabeça o debate sobre as dores da profissão é, na maioria das vezes, a nata dos jornalistas. Não é a plebe das redacções. São as chefias, os que estão mais próximos das administrações, os que ganham bastante acima da média.

Um fenómeno absolutamente extraordinário é o de ver agora jornalistas debater a actual crise com a propriedade de farsantes depois de terem liderado despedimentos colectivos no passado. Há antigos directores de jornais que escolheram a dedo quem é que ia ser despedido pela administração que alertam agora para o perigo da actual situação para a democracia. Há jornalistas que fizeram chacota ou desvalorizaram camaradas seus que faziam greve ou enfrentavam direcções pelos seus direitos e melhores salários. Há jornalistas que deram gás a campanhas negras contra outros jornalistas (e não falo sequer do meu caso pessoal que é apenas uma gota de água neste mar de hipocrisia) levando ao seu despedimento. Há jornalistas que menorizaram e amesquinharam outros jornalistas por trabalharem em meios locais ou de pequena dimensão. Felizmente, este não é o retrato da maioria dos jornalistas, que tenta sobreviver com baixos salários enquanto faz um trabalho digno.

A financeirização do sector é uma das principais razões para a actual crise. A falta de pluralismo e a distância das pessoas são outras. Recordo também as alterações legislativas que contribuíram para enfraquecer a democracia nas redacções e retirar poder aos jornalistas, dando mais destaque às chefias. Vinte anos depois, há ainda quem culpe a internet e as redes sociais. O facto é que há cada vez mais projectos de pequena e média dimensão que tentam ocupar o espaço vazio deixado pelos grandes grupos de comunicação social. Fazem um trabalho profissional e de qualidade. Chegam a cada vez mais gente.

Também se debate muito sobre o modelo de financiamento e há quem fale do financiamento público ou até da nacionalização como solução. O objectivo máximo de um jornal não deve ser dar lucro. Deve ser prestar um serviço de qualidade à sociedade produzindo informação. Quase sempre, o preconceito ideológico leva a que se deseje uma solução temporária para salvar o órgão de comunicação social para logo o devolver à iniciativa privada. Como se a independência e o pluralismo estivessem em perigo nas mãos do Estado e não nas mãos dos privados. Entre 1975 e 1991, a maioria da comunicação social esteve na esfera estatal e houve governos de diferentes partidos, jornais e rádios com diferentes linhas editoriais e jornalistas que produziram alguns dos melhores trabalhos da nossa história. A nossa realidade tem espaço para um modelo misto de meios estatais, cooperativos e privados.

Independentemente das análises que cada um faça, é um facto que só a união e a participação dos jornalistas, de uma forma horizontal e não hierarquica, desligada do poder e das vedetas, pode contribuir para uma solução que promova a democracia, a estabilidade laboral e a ligação ao nosso povo, incluindo todas as realidades que têm sido invisibilizadas ao longo de anos por vários órgãos de comunicação social.»

Bruno Carvalho (1)

(1) No Facebook em 13/01/2024.