Bubisher e as crianças refugiadas saarauís (Saara Ocidental), por Fernando Llorente

(Aviso: O título é da minha responsabilidade. E a tradução também.)

«Quando vejo uma criança diante de um livro aberto, com o olhar fixo nas páginas, pelas quais passa com movimentos bruscos das mãos, fico imaginando o que vê nas ilustrações, que seus olhos olham, e, se lê isso, o que acontece dentro de sua cabeça e no fundo de seu coração. É comum nos contentarmos em pedir um resumo, para verificar se ele entendeu ou não, como se estivéssemos interessados ​​apenas nos seus dons intelectuais, em forma de síntese. Pelas impressões, sensações, emoções, que se aninharam em seu coração, costuma-se dar, não nenhuma, mas nem tanta atenção, ainda que a leitura vise alimentar aqueles atos de racionalidade, que não se esgota na razão. Talvez seja assim, porque os mundos, por mais fantásticos que sejam, que povoam os livros, são relativamente fáceis de incluir no mundo real, no qual vivem as crianças e adolescentes que os leem.

E se os leitores forem crianças e adolescentes nascidos em campos de refugiados, criados no deserto, onde as pedras dão lugar à areia, e o mundo se reduz aos limites do coração de quem o habita, e de seus os olhares se estendem no espaço, tropeçam em barracas de lona, ​​beits, de areia, água e sol, e mini-rebanhos de cabras magricelas, e suas aprendizagens seguem caminhos erráticos, parando em escolas, com professores tão obstinados, como poucos recursos?

Nos próximos dias, será aberto um novo espaço à população refugiada, em geral, e aos mais jovens em particular, na forma da biblioteca Bubisher, a “Pilar Bardem”, na wilaya (1) El Aaiún, com o que cada dos cinco campos terá a sua própria biblioteca estável, para além do bibliomóvel que levará a biblioteca às diferentes Dairas, bem como às escolas. Mais um espaço para ler, conhecer, sentir, viver histórias em mundos estranhos àquele que tiveram de viver, de que certamente já ouviram falar dos mais velhos, sobretudo se forem contadores de histórias ou poetas. Um novo espaço, onde a realidade combina com a magia; a compreensão alimenta-se da emoção; a curiosidade leva ao conhecimento. Se em mundos abertos a leitura abre novos mundos, num mundo tão fechado como aquele em que nasceram e cresceram os pequenos leitores saarauís, são eles próprios que se abrem e se abrem a novos mundos, talvez configurados como esse mundo, que eles não sabem, mas sabem que lhes pertence, porque seus avós, pais e também professores lhes falaram sobre isso. E são os gestores saarauís das bibliotecas Bubisher (2) que dirigem as leituras para abrir sulcos na consciência e, sobretudo, na sensibilidade dos leitores, onde semeiam ilusões para o presente e esperança para o futuro, que crescerá até produzir o desejado fruto de uma vida própria, dotada de recursos pessoais -intelectuais e afetivos- com os quais esteja preparada para enfrentar sua vida em sua terra conquistada, à qual pertence e lhes pertence desde antes de nascerem refugiados, e que o espírito de resistência de seu povo se recupere. E tudo isso lendo, desenhando, brincando, vivendo um presente animado, esperançoso.

É isto que quero pensar que ferve na cabeça e tempera o coração de uma criança saarauí refugiada, diante de um livro aberto, com os olhos fixos nas páginas, pelas quais passa com movimentos bruscos das mãos. Agora também no Bubisher em El Ayoun. A quinta biblioteca. Não, não existe quinta má.»

Fernando llorente

(1) Divisão administrativa existente na África e na Ásia.

(2) A Bubisher (bibliotecas e bibliotecas itinerantes para os refugiados do saarauís (Saara Ocidental) é um projecto da ONG Escritores por el Sahara- Bubisher. Neste momento essa associação é presidida por Liman Boisha.

Este texto existe em espanhol na página de Facebook Sahara Bubisher em 28/01/2023.